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Porque não acreditar nas pesquisas

 Podemos acreditar nas pesquisas?

 

"A primeira coisa que as pessoas precisam entender sobre as pesquisas é que elas não são – e nem pretendem ser – prognósticos do resultado eleitoral. Elas são muito mais um retrato do passado do que uma projeção sobre o futuro"

 

Todo ano é a mesma coisa. Os institutos começam a divulgar pesquisas e mais pesquisas de intenção de voto. Rapidamente, essas pesquisas passam a pautar a cobertura do processo eleitoral na imprensa. Mas nem sempre elas são analisadas como deveriam.

O fato é que poucos conseguem ler corretamente uma pesquisa, e muitos ainda suspeitam da sua honestidade. Ainda são frequentes perguntas do tipo “como as pesquisas podem divergir tanto uma da outra?” ou “como os resultados eleitorais frequentemente contrariam as pesquisas?”.

Não está sendo diferente agora em 2010. Pelo menos quatro institutos (Ibope, Datafolha, Sensus e Vox Populi) têm divulgado periodicamente novas pesquisas de intenção de voto para presidente. A frequência dessas divulgações certamente aumentará ainda mais nos próximos meses. Em outras palavras, muita polêmica ainda vai rolar por debaixo da ponte.

A primeira coisa que as pessoas precisam entender sobre as pesquisas é que elas não são – e nem pretendem ser – prognósticos do resultado eleitoral. Elas são muito mais um retrato do passado do que uma projeção sobre o futuro. A pergunta típica sobre intenção de voto feita pelos institutos é “em quem você votaria se a eleição fosse hoje?” – e não “em quem você vai votar nas eleições de outubro?”.

Naturalmente, uma sucessão de pesquisas colocadas em ordem cronológica permite aos especialistas apontar algumas tendências eleitorais. Mas nenhum analista sério usa as pesquisas como bola de cristal. A rigor, o único tipo de sondagem eleitoral que pode ser comparado com o resultado final das eleições é a pesquisa de boca de urna (aquela na qual os eleitores são entrevistados após terem efetivamente votado).

Nesse sentido, não dá pra garantir, por exemplo, que um instituto tenha necessariamente fraudado uma pesquisa realizada uma semana antes da eleição apenas porque o resultado das urnas foi muito discrepante dela. Realinhamentos eleitorais de grande magnitude podem acontecer nos últimos dias de uma campanha. Há vários exemplos eloqüentes disso na história brasileira recente.

A segunda dificuldade de muitas pessoas em relação às pesquisas deriva do fato de que nem sempre elas concordam umas com as outras. Isso tem acontecido bastante na atual pré-campanha presidencial, por exemplo. Mas há boas razões para crer que essas discrepâncias não se devem a fraudes ou distorções propositais. Normalmente, elas podem ser explicadas por razões técnicas.

Alguns institutos entrevistam as pessoas nas ruas ou em pontos de fluxo, enquanto outros institutos também fazem entrevistas domiciliares. Alguns questionários incluem perguntas relativas à avaliação do governo antes das perguntas relativas à intenção de voto propriamente dita - enquanto outros questionários fazem o contrário.

Isso para não falar que pesquisas divulgadas no mesmo dia ou na mesma semana podem ter realizado a sua coleta de dados em períodos não-coincidentes. Ou que há pesquisas cujos dados são coletados ao longo de uma semana inteira, e pesquisas que vão a campo ao longo de dois dias apenas. Ou ainda que diferentes institutos podem adotar diferentes procedimentos de amostragem - com margens de erro e intervalos de confiança também diferentes (para usar o jargão técnico).

Ainda pretendo explorar alguns desses tópicos com mais detalhes em outros artigos. Mas, dessa vez, gostaria apenas de persuadir os meus leitores de que, em geral, podemos acreditar sim nas pesquisas eleitorais. Mesmo que nem sempre elas possam ser comparadas umas com as outras. E mesmo que nunca (exceto pelas pesquisas de boca de urna) elas possam ser comparadas com o resultado das urnas.

Feitas essas ressalvas, as pesquisas continuam tendo mil e uma utilidades. Para os analistas especializados, ao menos, é diversão que não acaba mais!

 

* Consultor político, com doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Foi professor da Universidade de São Paulo (USP), da PUC-SP e da Fesp-SP. Publicou o livro Partidos políticos do Brasil: 1945-2000 (Jorge Zahar Editor, 2000) e co-organizou a coletânea Partidos e coligações eleitorais no Brasil (Unesp/Fundação Konrad Adenauer, 2005).

 

 

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